domingo, 28 de setembro de 2008

Hoje #1

Hoje aprendi que não se deve ouvir a o primeiro andamento da 5ª Sinfonia de Beethoven em dias de ressaca (ou quando se está perto disso) ao acordar e senti-me no filme A Laranja Mecânica enquanto o fazia.

sábado, 27 de setembro de 2008

Poema #3

Ternura e dormência...
Shhh.
Deitada na cama, à espera
que chegue mais um minuto,
segundo,
instante...
Um qualquer pedaço de tempo,
preciso ou impreciso,
que a atire para o fundo
de tudo.

Uma palavra perdida
rebola
pelas escadas abaixo.

Que forma verbal
tão esquecida
daquele verbo irreflectido.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Amarras

Alimenta a criatura, para que ela não te devore. Alimenta-a de nós e de corda, para que fiques bem preso ao navio. Se conseguires, não te afogues quando chegar a altura de mergulhares de cabeça (que eu sei que vais mergulhar, que nunca tens medo de nada).

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Poema #2

O poema que dorme ali
já não quer ser lido.
As palavras crescem
feitas de fado e melodia
à espera que as ouças esta noite.





«Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
e quase ia morrendo com o receio de que ele
não te coubesse no dedo.»
Jorge de Sousa Braga

domingo, 21 de setembro de 2008

Da incoerência de quem escreve

Toda uma imensa necessidade de existência intemporal, que tu nunca apagas o que escreves, nem quando te enganas, nem mesmo quando não gostas do que desenhas sobre as linhas. Riscas por cima do que não queres ali, com traços certos, direitos, padronizados, um compasso de tinta que finge tapar o que supostamente está errado. Com a subtileza de um artista, deixas tudo à vista de quem queira procurar ainda mais por ti naquele pedaço de papel. E esperas. Desesperas por alguém que mergulhe ali, enquanto permaneces imóvel, sentada numa cadeira de madeira, dura e velha, sozinha. É assim, sem qualquer contacto humano que vasculhas universos de código binário e cabos de fibra óptica, e abres a tua janela de voyeurismo. Ali não se arrancam folhas, nem se riscam palavras. E o que escreves dura o tempo que quiseres, como se fosses um qualquer Deus, delineando o espaço e cronologia do que é teu, numa ridícula afirmação pessoal. És patética.

Mas escreve. Escreve para que o teu excesso de existência não tome conta de ti.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Poema #1

Olha e admira.
Existe para lá do que vês
E sonha,
que a eternidade às vezes
não dura para sempre...



São pedaços de sonho o que se empilha à minha volta.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A praia, a cidade e as músicas

Estive tanto tempo à tua espera, naquela praia. Sentada na areia, deitada na areia e dentro de água. Escrevia com os dedos o teu nome, que ainda não sabia, e atirava-te conchas para que olhasses para mim. Queria mesmo que olhasses para mim, porque me parecias ser a pessoa com quem me ia dar melhor. E dei. De todos, sempre foste aquele com quem tinha mais confiança e brincadeiras. Nada de grandes intimidades, não, que o Verão não serve bem para isso. Mas existia aquela segurança de quem sabe que, se fosse preciso, havias de estar sempre lá, mesmo que o lá fosse aqui, fora da praia. Antes de sermos como deve ser, quase existimos um dia em Lisboa. Um almoço perdido no Chiado, numa qualquer tarde de Dezembro há alguns anos. Tempo chuvoso, sem espaço para tudo aquilo que sempre fora o nosso habitat natural.

Afinal, nem eras diferente do que eu conhecia longe da cidade. Os prédios sujos e a multidão desalinhada do mundo mantinham-nos intactos, como se o frio do Inverno trouxesse o Alentejo para junto de nós. Tão perto e tão longe, como nos habituámos a estar um do outro, por causa daquela canção, que entretanto deixou de ser nossa. Espremeste aquele poema e entregaste-o a outra pessoa. (Não gosto que me troquem os poemas, sabes?...) Mas acabei por tapar os olhos depois de ler: a fingir que não foi nada. Lá no fundo, acabou por não ser. Passou um ano e as músicas mudaram sem que déssemos conta. Não falámos sobre isso, não pensámos sobre isso. A praia estava à espera que existíssemos de novo.

domingo, 14 de setembro de 2008

Parcerias

Hoje, fui consultora cultural do blog do amigo André, The Blogfather, e escrevi a Dica da Semana #33. Basicamente, escrevi sobre álbum e filme que recomendo vivamente. Passem por lá, descubram quais são e tornem-se leitores do blog, sim?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A fita laranja

Lembro-me do dia em que te conheci. A fita laranja desbravava os caracóis do teu cabelo e os teus olhos sorriam-me muito para lá do que os outros conseguiam ver. Disseste-me o teu nome e eu não precisei de te dizer o meu. Sem nunca ter falado contigo antes, tu já sabias qual era, tal como toda a gente sabia, disseste-me. Em menos de nada acabámos por ir cada uma para seu lado logo a seguir. Felizmente, aquelas salas quase coladas fizeram-me tropeçar em ti nos intervalos. Uma aula que não existe nem de um lado, nem do outro, da parede e os sonhos começaram a entrelaçar-se. Eu cheguei, tu quiseste ser o meu par e nós ganhámos o jogo. Aliás, ganhámos todos os jogos. Nesse dia, decidi que queria ficar contigo. Sabia, sabia que seríamos imbatíveis, como se estivéssemos eternamente sentadas àquela mesa. O que me deste, a partir desse momento, foi quase tudo o que me tornei. A doçura com que agraciavas os meus dias estacionou na minha existência. E a força com que me agarraste a ti foi sempre aquela que me agarrou ao mundo.

Quando for grande posso ser como tu?

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Faça o favor de entrar

Há dias de ternura e desassossego. São os dias em que as fotografias ficam espalhadas pelo chão da casa, sem ninguém que as apanhe. E os livros, meio abertos, estão perdidos em cima da mesa e da cama. Estou de olhos fechados, mas consigo vê-los através da escuridão. As páginas vão passando, uma a uma, de um lado para o outro, à procura de alguém que tenha a decência de ler o que lá foi escrito. Hoje não me apetece fazer-lhes a vontade. Para lá do silêncio que se instalou por aqui, há um barulho que não me deixa existir acordada. Continuo de olhos fechados, com cuidado, para não tropeçar em nada. Devagar, devagarinho, chego ao pé da janela. Está aberta para que a noite possa entrar como deve ser: de mãos dadas com a lua. - Faça o favor de entrar.

E ela entra despreocupada. Trouxe a lua, o céu e as estrelas. Talvez um pouco mais até, mas ainda não vejo para lá das pálpebras cerradas. Uma mão sobre a minha.

Suspiro.
Abraço.
Beijo.
Sorriso.

Ao longe, consigo ouvir uma onda a rebentar. Consigo ver.

O sol nasceu e deixou-me na praia. Bom dia.

No princípio era o verbo...

Já não existem palavras nesta cidade. As canetas esgotaram-nas. Por isso, não se escreve mais neste lugar. O que ainda se consegue ouvir é apenas o que sobrou dos anos em que nada se dizia. São sons amorfos, meio ocos. Lá ao fundo, alguns ecos ainda ressoam pelas paredes bafientas. Os prédios abandonados não guardam mais que corredores vazios e apagados. Aqui, falamos só por gestos. Os mais afortunados criam novos espaços com as cordas de uma qualquer guitarra perdida e achada no meio da rua. Tocam-na como se tocassem piano, como se o dedilhar tornasse cada corda numa tecla, aproximando-os daquele mundo virtual.

As palavras morreram asfixiadas pela tecnologia. Pelo menos na sua grande maioria. As poucas que conseguiram resistir aos ecrãs e aos teclados acabaram por se suicidar. Os fios e os botões desintegraram a poesia e a voz não serviu para substituir nem sequer uma linha de uma folha de papel. E isso foi o suficiente para que o tempo e o espaço desistissem de passear na escuridão. Não há poesia, não há narrativa. Não se contam histórias quando já nem os sonhos permanecem intactos.

Mas o mundo continua a girar...