quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Fado

Eu e tu na voz de alguém que dobra as esquinas da poesia como se respirasse em verso. Já tinha saudades desta nossa paixão de olhos fechados e páginas por ler, do teu cheiro a noites de inverno e tardes de verão em Lisboa, do que fazes tremer cá dentro quando falas para mim. Andámos fugidios e desencontrados, mas apaixonei-me por ti outra vez. Duas vezes em simultâneo. Eu e tu, sozinhos, enquanto ressoas pelo meu quarto, com o volume no máximo. Ainda bem que voltaste a bater à minha porta, querido Fado.

domingo, 24 de outubro de 2010

Inspiração publicitária...

"Um dia, o mais provável é tornares-te um chato, deixares de sair à noite e levar-te demasiado a sério. Nesse dia, vais começar a vestir cinzento e bege, pedir para baixar o volume da música e deixar a tua guitarra a apanhar pó. Vais tornar-te politicamente correcto, socialmente evoluído, economicamente consciente. Vais achar que tens de ir para onde toda a gente vai e assumir que tens de usar fato e gravata todos os dias. Nesse dia, vais deixar de beijar em público, as tuas viagens serão mais vezes no sofá e dormirás menos vezes ao relento. É oficial. Vais entrar na idade do chinelo e deixar de ser quem foste até então. Vais deixar de te sentar ao colo dos amigos e vais esquecer-te como se faz um quantos-queres ou um barco de papel. Vais ficar nervosinho se não trocares de carro de quatro em quatro anos e desatinar se o hotel onde estiveres não te der toalhas para o teu macio e hidratado rosto. Vais tornar-te muito crescido e começar a preocupar-te com tudo e com nada e a não fazer nada porque "vai-se andando" e a vida é mesmo assim. Vais dizer não mais vezes, vais ter mais medo, vais achar que não podes, que não deves, que tens vergonha.
Vais ser mais triste. (...)
Aqui fica uma ideia: quando esse dia chegar, não lhe fales."



terça-feira, 19 de outubro de 2010

#200

Nos entretantos, aqui o cantinho já ultrapassou a marca dos dois anos. Melhor ou pior, foi algo que tentei estimar e manter com algum carinho, mesmo quando não me apeteceu. Houve meses em que isto serviu de montra pessoal, para colmatar a distância a que estava do meu próprio mundo; na maioria das vezes, serviu apenas para colar alguns textos e meia dúzia de desabafos. Mas a decisão de abrir o estaminé veio numa altura boa, em que passei a escrever quando estava feliz, e não para exorcizar o que me ficava por dizer. (Usar bem as palavras no papel nunca foi sinónimo de as usar bem com a voz.) Era a primeira vez que me acontecia isso. E fazia sentido.

Dois anos, um mês e dez dias depois do início, a retrospectiva é inevitável. Muitas das certezas que fui construindo ficaram pelo caminho, mas outras mantiveram-se. Tropecei muitas vezes nos meus próprios erros, mas dediquei-me de coração a (quase) tudo o que me propus. E agora que há dias em que o sorriso custa a nascer, aparece sempre alguém que ainda o sabe desenhar na minha cara. Os alicerces de outros tempos mantêm-se intactos, mesmo que parte do meu universo tenha desabado. Mas, ao ducentésimo post, parece que já existe a consciência de que há aqui um retrato da minha pessoa. Incompleto, sim. Mas, como alguém me disse um dia, somos as narrativas que construímos - seja de nós para os outros, ou mesmo de nós para nós. O que importa é a história que imprimimos na vida de quem está ao nosso lado. E a maneira como o fazemos, claro. Há gostos para tudo: os que lêem só um capítulo (ou nem isso), os que lêem o livro apenas uma vez para depois o arrumarem na prateleira como prova do esforço heróico que fizeram para chegar ao fim, e os que guardam o livro em cima da mesa de cabeceira para que o possam ler sempre que quiserem. Os finais felizes, esses, dependem unicamente de quem nos interpreta.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Faz de conta

Faz de conta que é tudo perfeito. Que os amigos serão sempre amigos e estão lá sempre para nós. Faz de conta que os amigos mais antigos são sempre os que nos apoiam mais e nos retribuem tudo o que demos por eles. Faz de conta que ninguém nos aldraba. Faz de conta que quando nos magoam a sério, deixamos de gostar da pessoa. Faz de conta que não se partilharam conversas nem segredos e que tudo o que se construiu foi apenas uma ilusão. Faz de conta que se pode perdoar tudo. Faz de conta que a mentira não dói.

Faz de conta...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Canção #12

Pode ser difícil, mas é tão bom,
Quando se consegue afinar num tom..
Quando tudo rola, sabe tão bem...
Quando estás em sintonia com alguém...

Sei como é difícil compartilhar a vida com quem não quer compartimentar a sua
Não quero desmantelar a tua..
Entende que só posso acreditar na minha fé,
que é mesmo esta a minha missão:
sacrifício e total absolvição de pecados cometidos para com a união,
talvez sejam alguns, mas, juro, não é traição.
É complicado manter na relação um estado de equilíbrio estabilizado,
quando crio estou fechado em mim próprio,
gravo no estúdio enclausurado
e quando toco vou para fora só me vês um dia passado.
Chego vazio física e mentalmente
dou tudo no palco (não consigo ser diferente)
chego cansado de falar com tanta gente
Sou bicho de buraco, sabes o que o teu homem sente...

Pode ser difícil, mas é tão bom,
Quando se consegue afinar num tom..
Quando tudo rola, sabe tão bem...
Quando estás em sintonia com alguém...

É verdade o que me dizes: tenho uma existência dupla entre ti e a música,
mas ouve – Tu é que és a Musa!
Apaixonei-me há muito tempo por esta arte,
mas praticá-la não seria o mesmo sem ti para apreciar-me.
Sinceramente, eu próprio não sei se aturaria alguém com a minha sina,
não sei se aguentaria,
sei bem quem escolhi, sei bem como és especial.
Quanto a mim, fui escolhido pela vida musical.

Pois é, já sei, outra vez a mesma história:
tu chegas, eu saio,
às vezes é um problema, quando o tempo que temos nunca chega,
mas aquilo que partilhamos é tão bom que compensa tudo.
Tudo faço pelo teu sorriso
não quero só vê-lo por acaso.
Quero que saibas que sempre que digo que continuo do teu lado é porque o sinto.

Assim mesmo, e sou sincero,
foi difícil chegar até este entendimento..
Tivemos mais do que uma fase complicada,
porque quando precisas de mim por casa
ando pela estrada
ou a trabalhar uma música no estúdio e num ensaio a noite toda...
Ainda bem que me aceitas desta forma,
ainda bem que te tenho nesta jornada.

E o contrário também acontece, sem dúvida,
quando a tua vida profissional te mantém ocupada
és alguém que em qualquer momento tudo ultrapassaria
e gostaria da tua companhia durante o dia..
E sei que é possível,
ainda mais agradável,
um futuro estável mas com um número razoável de novos desafios pela frente, claro
com a pessoa correspondente – eu junto.

Mind Da Gap - Sintonia



Setembro

Setembro costumava ser o mês dos recomeços. As aulas começavam e era encher a mochila de cadernos e canetas novas. Salvo um ou outro ano, os amigos mantinham-se, mas havia sempre algo excitante por saber que era um novo começo. Este ano, pela primeira vez em muitos, não tenho aulas. Não estou a recomeçar, estou mesmo a começar. Trabalhei mais de 9 meses sem receber, mas este mês pode ser que isso mude. Tem mudado. Devagar, devagarinho, vou dando passos de gigante lá fora. Uma rádio, uma revista, uma proposta. Eu a conduzir pelas ruas de Lisboa. Saio de casa de manhã e só chego de noite. Saio de noite e chego de madrugada. Reencontro amigos e moradas. Volto a beber e a perder a vergonha. Conheço novas pessoas, desenho amizades e alargo horizontes. Tenho orgulho no que tenho conseguido, sei que tenho sido grande.

Setembro costumava ser o mês da incerteza e manteve-se assim. Confusões que se tornam novelas e devia ser tudo tão simples.

Tu tomas as tuas decisões, eu tomo as minhas. Não há recomeços, quando ficou 10% do nosso tempo para trás. Mas talvez desse para tentar de novo. Aprender com os erros e fazer melhor. Estudei mais do que em toda a minha vida, mas chumbei redondamente. Quero ir a exame. Agora não, que quero estar sozinho. Não mesmo? Não sei, mas não quero falar sobre isso agora. Amores pendurados em estendais que insistem em não partir - mais valia que se partissem logo. E a banda sonora que me martela os sonhos. O teu sorriso que se esbarronda na minha cabeça. Sim, tenho a certeza que te fiz feliz. Tenho a certeza que fui feliz contigo. Se calhar fui só um erro que durou um pouco mais que o costume. Vamos fingir que nada aconteceu. Já me habituei a não te ter nos meus dias, mas lembro-me que dantes os dias eram mais bonitos por poder partilhá-los contigo. Inspirar. Expirar. Suspirar. Transpirar. Agora que foste embora, só existem verbos cheios de ar – o ar, que não se vê, é perito em preencher vazios. Antigamente, esquecia os velhos amores com novos, mas parece que estou mais crescida. Mamã, quando duas pessoas se amam ficam juntas e vivem felizes para sempre? Hoje em dia, já não existe para sempre, meu filho. Não consigo viver contigo assim, mas não sei viver sem ti. Tenho medo que destrambelhes tudo de novo. Estou "bem" assim, mesmo que seja só a fingir. Tenho a certeza que sentes a minha falta. Amo-te mesmo que não te saiba dizer, mas há dias em que não suporto a tua presença porque me fazes sentir demasiado e ainda está tudo muito fresco. Não te posso dizer que sim, mas não te consigo dizer que não.

Não gosto muito desta novela, posso mudar de canal? O comando está sem pilhas e não temos mais em casa. Lamento, mas vais ter de ficar aqui mais um bocadinho. Vai acabar bem, não vai? Não sei. Mas ainda ninguém morreu de amor.

Em Setembro, ardem os montes, secam-se as fontes.