segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

#1

O comboio estava quase vazio, como era costume àquela hora. Tão ou mais vazio que o do Barreiro. Mas ela sabia que aquele tinha duas carruagens, pelo que mesmo estando vazio, arrastava sempre o peso das gentes empacotadas da linha de Sintra. Vá lá, ao menos hoje notava-se o cheiro dos milhares de banhos matinais. É sempre bom começar a semana limpinho - a segunda-feira nunca falhava. Ao menos isso.
Quando saiu, viu que afinal o mundo muda nos intervalos dos dias em que nada acontece. A estação que estaria pronta cinco anos depois do início - ou assim prometia a placa gigante do Ministério das Obras Públicas - já estava em fase de conclusão, apesar das quatro linhas planeadas serem ainda e apenas duas. E ela não tinha mudado de casa havia sequer um ano.
75km mais tarde, a percepção de universo pararelo à Lisboa que tanto amava era diferente. Linha de Sintra, Linha de Cascais, Oeiras, Margem Sul e aquele bocado para lá de Sacavém, que quase ninguém se lembrava que existe. E ali estava ela, suburbana convicta, filha de um dormitório que nunca adormece a frequência dos 60hz  (o zumzum dos carros lá ao fundo...). Salvava-se o facto de ter tido a sorte de viver num sexto andar, com vista desafogada, com direito a uma paisagem ainda verde e uma réstia de mar lá quase nos confins do horizonte.
Um dia, a densidade populacional dos prédios de dois elevadores deixou de a afogar. Mudou-se para o outro lado do Tejo, por força das circunstâncias, e a localidade rente ao IC19 deu lugar a uma vila. Mas uma vila sem o glamour do dois L's importados graças ao turista estrangeiro, nem o carimbo da UNESCO. Uma vila, no verdadeiro e desolador sentido rural da palavra, já que ter ido morar para ali tinha sido uma tragédia.

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