quinta-feira, 25 de agosto de 2011

#2

Gosto de pensar que o nosso amor é uma canção do Victor Espadinha. Afinal, foi em Setembro que te conheci. Palmela ainda transpirava os últimos bafos de Verão e a Península de Setúbal teimava em encerrar o Estio com festas que lembram sempre o Ribatejo. Tudo imaculadamente regado a álcool, como manda a tradição. Garrafas ao alto! Copos não, que isso é para meninos. E eu e tu, ali no meio da vila, parados em 1978, onde a bebedeira permitiu que nos encontrássemos. Que aqueles cinco versos podem muito bem ser um hino dos tempos modernos.

"Foi em Setembro que te conheci
Trazias nos olhos a luz de Maio
Nas mãos o calor de Agosto
E um sorriso
Um sorriso tão grande que não cabia no tempo
"

Podia dizer que já não se fazem canções assim e provavelmente seria verdade. Os poemas de amor, mesmo aqueles cujos versos se desenham em prosa, já não vêm encharcados em lágrimas e promessas de eternidade. Longe vão os tempos em que as gavetas se enchiam de folhas esgravatadas com devaneios literários proporcionados por corações destroçados. Ou enamorados. Parece que já ninguém gosta de finais felizes. (Se bem que um final feliz é uma espécie de "não-final" e talvez por isso hoje em dia ninguém goste dele.) O que hoje sobrevive é a narrativa aberta, aquela em que não se sabe bem como é que a história acabou. Os novelos da tecnologia e a violência do imediato não nos deixam terminar nada. Quanto muito, terminam eles sozinhos: mudar de e-mail, mudar de número, perder o telemóvel. Daí que quando, por entre bits e bytes, se descobrem dedicatórias intermináveis, escritas com uma esferográfica de qualidade duvidosa, pedidos de desculpa e de namoro, o melhor mesmo é aproveitar. Como se aproveitam as canções de antigamente: num formato físico qualquer.

Agulha no vinil: o nosso amor é um gira-discos. Um gira-discos a tocar um single do Victor Espadinha.