segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

#4

Nos dias em que preciso de uma retro-escavadora para arrumar o quarto, preciso quase sempre de outra para me arrumar cá dentro. Sou uma hemeroteca com anos de jornais diários por arquivar. Além do caos dos papéis empilhados pela secretária, há o cotão que se acumula em cada pedaço de madeira do chão. A empregada teima em não aspirar o pó. Não faz mal. Hoje vou arrumar a secretária. Aspirar o chão. Arrumar o quarto. Hoje vou arrumar tudo o que está desarrumado por estes lados. Fazer aquilo que os mais sábios insistem de chamar "seguir com a vida". Andar para a frente, que para a frente é que é o caminho. Pena que a retro-escavadora só escave para trás.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

#3

Às vezes há a vontade de escrever mais. E normalmente - quase quase sempre -, é só porque se anda a ler mais. As palavras são assim: tendem a dar-nos tanto quanto lhes damos a elas. Do mal o menos, parece que de vez em quando acabamos por fazer as pazes. Qual casal apaixonado. Daqueles cujo amor anda sempre ali no limiar da irritação e do que não conseguimos aturar nem por nada. Amar e odiar em uníssono na mesma frase. Amanhã logo se vê para que lado acordamos. E se o que me trazem sempre dá para alimentar uns quantos sorrisos. Como quando nos encontramos nos transportes públicos, na esperança que o subúrbio tome um bocadinho melhor conta de nós.

Foto licenciada em Creative Commons por sk8geek

domingo, 8 de janeiro de 2012

700 dias de ti

Foram mais de 700 dias de ti. Na altura, a viragem das duas décadas acenava a um sucesso com mais olhos que barriga. Ninguém nos tinha avisado que seria o maior desafio dos nossos dias. Nunca chegámos a chorar juntos, mas também nunca foi preciso. No meio de todo o desespero que se instalou na nossa segunda primavera, manteve-se sempre intacta a recordação daquele abraço. Tinha perdido o último comboio da noite e não tinha maneira de voltar para casa. Limpaste-me as lágrimas com o teu casaco e tomaste conta de mim nessa noite. Foste buscar-me à estação e levaste-me a passear pelo Bairro Alto, para que a angústia de estar abandonada em Lisboa não pesasse tanto. E assim ficámos até hoje. Ensinaste-me a gostar de novas palavras e aprendi milhares de universos no meio de cada sorriso e discussão. Pelo caminho quase perdemos os ursos polares, as mensagens a meio da noite e tropeções fortuitos entre a capital e os seus arredores. Mas salvou-se o mais importante: aquele abraço com mais de dois anos trouxe-nos até aqui. E manteve-se intacto. Obrigada.