quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Encher a barriga como se enche o coração

Nos intervalos dos discursos amedrontados, o novelo de futuro amarfanhado desfia-se devagarinho. Quando a festa surpresa tem partes mais complicadas, das duas uma: ou vai ou racha. Quando racha, normalmente não há nada a fazer. Quando vai, costuma ir melhor do que veio e, regra geral, dá para tricotar um agasalho novo. Daqueles quentinhos, para levar à praia nos dias frios de Inverno em que o Sol toma sempre conta de nós e da vontade de pequeno-almoço. Para encher a barriga como se enche o coração. Mas em versão europeia, que a saúde cardíaca/coronária é para manter, pelo menos por mais algumas décadas.

Foto licenciada em Creative Commons por pie4dan

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O amor é uma festa surpresa

"É o problema do amor: nunca conseguimos alcançar o outro. Damo-nos mais com as pessoas com quem nos escapa sempre alguma coisa."
Manuel António Pina em entrevista ao iOnline, 18/2/2012

Se nunca houver imprevisibilidade nas pessoas com quem nos damos, deixa de haver um propósito em estar junto. O amor é a surpresa das coisas a cada dia que passa. Gosto de pensar que é a surpresa das coisas boas. Mas na vida as coisas não são como a roda dos alimentos, em que o que é carne é carne e o que é peixe é peixe. Pão, pão. Queijo, queijo. E, por isso, o amor traz quase sempre consigo a inevitável surpresa das coisas más e a insegurança perpétua de nunca alcançar o outro. De não reconhecer. De não compreender. De chegar ao fim do dia e aterrar de cabeça na conclusão de que pode não ter feito sentido. O amor é uma festa surpresa. De vez em quando, corre bem.

Foto licenciada em Creative Commons por  W Mustafeez

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Entalada

Quando deu por si, era tarde demais. O “pipipi” das portas que estão prestes a fechar foi menos brando do que o costume e acabou por ficar assim, a modos que entalada nas portas do Metro. Tudo se resumia a isso. Estava ali, entalada. No permanente vai não vai, chove não molha, não f*de nem sai de cima. Ironia do destino, a dicotomia do entalanço vem no primeiro múltiplo de dois. A dualidade da vida moderna ditou que a dúvida se instalasse no trabalho e no amor. Who cares? Ninguém, claro. Ou seja, quase tantas pessoas quantas as que se importavam que naquele preciso instante ela estivesse entalada entre as desconfortáveis portas do metro lisboeta.

Talvez por isso levar com a porta na tromba tenha sido um abre-olhos daqueles que só aparece quando temos os olhos fechados. Pelo menos uma parte estava decidida: ia trabalhar para a florista da amiga. Não que fizesse particular questão em juntar flores como quem pinta um quadro. Afinal, nunca levara muito jeito para trabalhos manuais. Mas com o dia dos namorados à porta, havia a esperança de poder servir de copy a corações apaixonados e desinspirados. Modernices! Do mal o menos, o tempo perdido numa agência de publicidade dava-lhe alento e talento (talento não, que esse nunca lhe faltara) para tornar o mundo um bocadinho melhor. Ou apenas mais simpático. Como o senhor que a puxara para dentro da carruagem, quando a viu aflita e entalada. Afinal, era quase só isso que faltava (bastava?) na sua vida. Simpatia.

Foto licenciada em Creative Commons por Swamibu