quinta-feira, 1 de novembro de 2012

#21

"De tanto me devotar ao meu ofício, escrevendo e reescrevendo, corrigindo e depurando textos, mimando cada palavra que punha no papel, não me sobravam boas palavras para ela."

in Budapeste, Chico Buarque de Hollanda

O romance que estava a ler não cheirava a bossa-nova. Na verdade, era uma espécie de crónica alargada sobre histórias de amor desafinadas pela falta de polimento. Afinal, os dramas cariocas viviam alinhados com os seus: vivia fascinada com as problemáticas das relações humanas. Obcecada com o amor e com a vontade de ter um par que a acompanhasse nas restantes danças da sua vida. Mas parecia que a sucessão ininterrupta de dias e noites trazia mais complicações que facilidade. Os nós que nunca se desatavam obrigavam-na a investir mais tempo naquilo, como se o tempo significasse qualidade. O trabalho espremia-lhe a vontade e a capacidade de execução de provas de romantismo exacerbado. As declarações fugiam-lhe entre os dedos, esgotadas pelos intermináveis textos que escrevia no horário de expediente. E nem sequer podia entregar-se escondida nos poemas dos outros, que ele não lia versos. Ainda assim, a ironia do destino parecia querer alinhar aquela existência conjunta. Na ausência prolongada que a jornada laboral ditou, ele disse-lhe que pensar em futuros hipotéticos a dois o desconcentrava. "Escreve-me", ouviu-se do outro lado do telefone. Não podia dizer que não. Por isso, foi comprar um dicionário, na esperança de encontrar todos os sinónimos da palavra amor.

Fotografia licenciada em Creative Commons por babi mouton.

Sem comentários: